22.1.09

ELVIRA MATILDE

HISTÓRIA / ESTÓRIA:
A moda tem as suas referências próprias, seus códigos, signos, enquanto a arte é um universo em que cabem muitas experimentações de linguagem, a moda inclusive. Quando questionada se faz moda, Gabriela responde que faz roupa. Mas o que é a roupa para Gabriela Demarco? Roupa é um objeto vestível?

Wearable performance: MULHER OBJETO DE ARTE I, II, III, 1992, Sesc Pompéia / São Paulo; Instituto Cultural Brasil-Argentina / Rio de Janeiro; Museu de Arte Moderna / Belo Horizonte. Três mulheres emprestam seus corpos que servem de suporte pulsante e imprevisto para as indumentárias compostas de elementos para cabeça, corpo, pés e mãos.
A minha atuação se deu como a Mulher Objeto de Arte III, incorporando uma pesada indumentária que me colocou o desafio de descobrir como ficar de pé sobre o pequeno tablado individual, mantendo a duração do tempo de exposição. 

Na quinta edição do Phytoervas Fashion / Parque Ibirapuera / São Paulo, 1996, junto com 14 nomes do Mercado Mundo Mix, Gabriela Demarco apresenta outra wearable performance que tem elementos da natureza (como a palha para a vestimenta, e os pigmentos orgânicos para os pés e mãos), e a maneira local/mineira de trabalhar com eles (as várias tramas tecidas na palha artesanal de esteira), como pontos de partida investigativos. É assim que uma modelo e o ator Fernando Alves Pinto entram na novíssima passarela fashion brasileira encarnando “um casal caipira”, ao som de Vera Cruz na voz de Milton Nascimento.

Desenho e performance podem ser vistos como o cerne do seu trabalho como artista plástica. O seu desenho sempre exigiu ganhar corpo, um corpo vivo, literalmente. As camisetas pintadas à mão para o time de pelada da sua “nova família”, poderiam marcar um começo da sua atividade em B.H. em 1981, vinda de Buenos Aires, sua cidade natal. O desenho tridimensional nas máscaras da sua passagem pela Escola Guignard, nos álbuns gigantes expostos na Biblioteca Pública Luís de Bessa / BH; na malhação de Judas, uma performance de rua, executada pelo grupo de amigos na Semana Santa; “Piquenique na relva”, um alegre off M.A.M / BH; e “Sopão” no M.A.M /BH, quando bailarinos incorporam as indumentárias de mendigos.

Gabriela Demarco é totalmente existencial, daquela linhagem de artista cuja vida é obra, e a obra é a vida. O desenho como a escrita da sua vida. Para ela as coisas vividas sempre ganham um desenho, e isto não é uma metáfora.
Por isto ela não parte de um tema ao iniciar uma coleção. O tema já é a própria vida que é apropriada sem nenhum preconceito: a vaca na baby look da adolescente, o palhaço no bolso da bermuda masculina, o porco no vestido longo da mulher urbana... Quais são os temas recorrentes nos desenhos da sua Elvira Matilde? Toda a natureza: um muito amplo espectro de animais, flores, frutas, as árvores, o homem, a mulher, a criança... Os objetos do cotidiano: cadeira, ônibus, panela, tevê... Ícones da cultura: Rimbaud, Miles Davis, John Cage, Jackson Pollock,
Clarice Lispector... E a escrita como desenho está sempre presente.

Mesmo diante deste universo exuberante não podemos detectar qualquer esforço para revelar uma unidade temática. Mas à medida que o trabalho vai sendo criado, ele, por sua vez, vai recriando a artista. Esta alquimia é tudo. E ela existe em Gabriela. Arte-vida. Vida-arte.
BH-2004

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