22.1.09

O MUNDO DE RENATA SANDOVAL





Os objetos de Renata Sandoval são esculturas, e elas não são simplesmente aqueles “lindos” objetos feitos para decorar “quartos de bebê espertinhos e salas de bem estar descoladas”. Claro, nada contra as pessoas, mas tudo contra os lugares instituídos para que as pessoas se acomodem

Nesse momento são poucos os que vêem a enorme diferença que existe entre uma peça decorativa e um objeto de arte. Mas vamos olhar para as esculturas de Renata. O que vemos? Suas criações respiram. Elas pulsam, podemos sentir a vitalidade nelas. O peito, o lugar do coração é aberto, é erguido. É estranho dizer assim, mas o que é vivo é misterioso, difícil de ser apreendido pela linguagem.

Outra coisa que se pode perceber nesses objetos é que são diferentes. Uma palavra tão surrada esta! Um parêntese super necessário aqui: é muito difícil reconhecer o diferente. Não dá para viver uma vida standartizada e valorizar o que é autoral. Ter o próprio olhar sobre as coisas, sobre a vida, não é algo dado de graça, mas que é preciso ser conquistado. É preciso encarar a nossa própria diferença, experiência que quase todos evitam porque dói. Mas o artista se cria aí. E assim, criar o próprio olhar é preciso para valorizar o que é próprio, o que é diferenciado.

As esculturas de Renata Sandoval podem despertar em nós o humor. A presença da qualidade da alegria é um atestado de coisa viva. Elas têm um jeito de corpo que vem de dentro. O desenho é orgânico, não é imitativo. Diz-se isto porque a silhueta vibra! Um outro objeto qualquer que podemos decodificar através da nossa memória é como uma múmia, uma mímica. “Lindo”? Pode ser. Mas fantasmagórico. Morto, sem dúvida.

Acho que podemos dizer também que são figuras com uma atitude própria, como portadoras de um orgulho de viver, de uma liberdade desafiadora! Por isto é um privilégio tê-las por perto: no quarto das nossas crianças, naqueles espaços das nossas casas onde celebramos com os amigos, e também nos lugares onde trabalhamos na cidade. Objetos assim são como imãs energéticos que não nos deixam esquecer de nós mesmos.

L U C I A L O U





 





























O percurso profissional de Maria Lucia Loureiro
é marcado por uma qualidade bem própria, que é o da prestação de serviço, com o uso de um vasto repertório técnico. É esta prática que propicia a ela uma formação consistente como designer. À medida que produz trabalhos para outros estilistas de joalheria, a sua arte vai sendo gerada ao longo desse percurso como que subterraneamente. Desse modo, realiza um trabalho que não se preocupa em buscar um público ou canais de comercialização, mas é desenvolvido como experimentação, como reflexão do seu fazer como designer. No panorama da contemporaneidade, o que se costuma buscar e nomear como autoral se dá, na maior parte das vezes, às avessas do caminho trilhado por Lucia Lou, o que faz da sua experiência algo bem próprio.

Mesmo hoje, quando seu trabalho sai da banca do estúdio - que sempre foi dentro de casa -, e é exposto em diferentes espaços, mesmo então ele é 100% autônomo em relação ao mercado. São peças pequeninas, leves, singelas, com acento às vezes vintage, e que trazem principalmente a marca do engenho. Alguns itens vieram à luz a partir de uma idéia engenhosa colocada em prática com uma técnica que é, na verdade, um truque, um insight executado com apuro e ligeireza.

¨As minhas peças atuais são como desenhos com fios de ouro que reciclo, às vezes de peças quebradas que compro e que têm somente o valor do metal.Daí as peças são fundidas e o ouro apurado. Depois do ouro puro, faço a liga de ouro 18k e dai puxo o fio ou a chapa.¨

A orientação de se gastar o mínimo de matérias primas é ordenadora dentro da pequena obra de Lucia L. O seu trabalho como um todo procura o pequeno, assim como o planeta Mercúrio é pequeno também dentro do sistema solar onde habitamos. São objetos mínimos, mas carregados intensamente de reverberações significantes, principalmente ligadas às áreas dos afetos.

Invenção, habilidade. E poesia. As peças de Lucia Lou têm uma aura existencial, com um toque de frescor que surpreendem por serem tão únicas!

P I E D A D _ SÃO PAULO


Ana Maria Piedade é quem cria e produz as peças da sua grife Piedad desde 1998, logo após concluir o curso de “Estilo” na Esmod/ Senac (1995 – 1997). A estilista nasceu e vive na cidade de São Paulo.

As criações de Piedad_São Paulo já vestiram Carol Trentini, Gisele Bundchen, e Cristina Itié em editoriais de importantes publicações de moda brasileiras. Também vestem Piedad SP, a cantora Mônica Salmaso, as atrizes Andréa Beltrão, Rosamaria Murtinho, Débora Secco, e a espanhola Victoria Abril, conhecida por suas participações nos filmes de Pedro Almodóvar.

A grife Piedad_São Paulo:

A imagem inicial vem de uma narrativa: a história de uma princesa que exigia de seus ourives que suas jóias fossem inspiradas nos intrincados desenhos das rendas. Ana Maria Piedade quer transformar a própria renda, seu material gerador, inserindo nela variados processos criativos que resultam em peças autorais dentro do universo do luxo, tal como uma jóia.

O processo criativo principal é o tingimento artesanal, que é realizado peça a peça pela própria estilista em seu atelier. É um processo bastante arriscado, onde o resultado não pode ser 100% previsto, mas que vai sendo continuamente aprimorado através dessa experimentação mesma com as cores. Nas palavras da estilista: “Ao trabalhar os tons chego ao espírito do meu trabalho”.

Os materiais fluidos e nobres como a renda guipir, o tule francês, o veludo alemão, fitas de seda e cetim recebem ainda a inserção de vários outros procedimentos criativos como as aplicações, o bordado e o rebordado com aviamentos provenientes do contexto da ourivesaria e da chamada bijuteria de renda, tais como as pedrarias, contas, vidrilhos. Além de adornos extraordinários, propiciadores de vivacidade, como rabos de galo e penas.

O espírito de Piedad_São Paulo é o exercício de acessorizar, de pensar uma vestimenta através da linguagem do acessório. A mensagem mestra dessa linguagem é a criação do detalhe, principalmente através da cor, com o sentido de criar individualidade. Outro conceito que poderia ser extraído do ato de acessorizar seria destituir as funcionalidades racionais de qualquer peça para o corpo. Não roupas, mas indumentárias contemporâneas, pois carregam signos estéticos, poéticos.

Estolas, echarpes, vestidos, boleros, adornos para cabeça, braços, cintura. Todos esses itens imprimem leveza, charme e um luxo atemporal nos corpos femininos. Em um look, Piedad SP será aquele item encarregado de dar a coloração única. Cada pessoa, cada ser, tem a sua cor, e Piedad SP revela a cor sensível de cada um com um toque absolutamente próprio e atual.


OUTONO INVERNO E.M. 2007

Gabriela Demarco é quem cria e desenvolve não só os itens da última coleção Elvira Matilde, mas é quem, a cada nova produção, amplia e fortalece o espírito da marca. A campanha da Coleção Outono/Inverno EM 2007 é a quinta realizada toda com os clientes, amigos e parceiros. Desta vez as fotos do Livro de Coleção EM aconteceram num galpão todo aberto para a Mata do Jambreiro, uma reserva ecológica em Nova Lima, município vizinho à Belo Horizonte, que vem recebendo uma migração de “mineiros–cabeça” à procura, em suas montanhas, da paz e outras qualidades de vida que se tornaram essenciais neste início de século.

Gabriela sabe criar a cena. Pintou dois painéis panorâmicos que foram instalados sinalizando performaticamente o local dos acontecimentos. Ao longo do tempo ela trabalhou com alguns fotógrafos, e sempre por mais de uma vez, como uma parceria experimental e investigativa. Com o Feli Coelho existem qualidades únicas, pois foi ele quem fotografou os primeiros tempos de Gabriela no Brasil, quem fotografou a sua família nascente, suas meninas, seus amigos em ação, seus trabalhos iniciais, mas desde já, muito próprios: Urso Panda Gigante (BH, 1983), “onde o nome escrito inúmeras vezes em olivetti – numa fita fininha – alude de forma contrária ao tamanho do animal”. Manta Para Via Pública (BH, 1984), “tapete também gigante no alto da Afonso Pena, este mar ou rio feito de formulário contínuo, hoje em desuso, vira incrivelmente líquido com as ráfagas de vento. E depois, aquele resíduo de papel amassado é até comovente para quem estava lá. A Garota – carranca emblemática de pau de vassoura; apossado de um lote de jornal pintado, materiais perecíveis rasgam, são inadequados, quase impossíveis no espaço público”, nas suas próprias palavras.

Essas primeiras movimentações públicas de Gabriela Demarco no Brasil são expressões físicas/ambientais com grande envolvimento grupal: manufaturas transbordantes ao ar livre que exigiam grandes áreas e vários corpos para serem transportadas e instaladas. Os objetos de grandes proporções, realizados obsessivamente como respiração nos minutos dos dias e das noites, eram transportados por amigos e pelos amigos dos amigos para ambientes urbanos os mais diversos, como praças, parques, avenidas.

O registro das imagens/ações, que era feito em slides, fazia parte indissociável da proposta total e começava nesse momento porque, na verdade esse era todo o acontecimento: ver e fazer parte de uma ação com um bando de gente, onde você não sabe o que vai acontecer depois de arrumar tudo aquilo no lugar onde pediram pra colocar; suando com o esforço, seu corpo e o do outro tremendo com as gargalhadas que chegam com os movimentos inesperados que te acometem ao contato com aqueles objetos que não se deixam apreender completamente, nem pelo que são, nem como função.

O Feli circulava por dentro e pelas bordas de todo o movimento fixando momentos onde a luz, o objeto e o corpo estão em uma relação íntima, nova, e por tudo isso, bela. Bela porque polifônica, um cruzamento entre arte e experiência desde sua gênese até a sua apresentação, envolvendo performance, concepção cênica, literatura, recursos videográficos, desenho, e o design de indumentárias.

Vem dessa parceria o jeito de imagens em ação que mostra o Livro do Inverno EM 2007. Os painéis, como todos os objetos construídos por Gabriela, são amplificadores de sentido, eles deixam entrever os bastidores, criam a conversação entre o que vem antes e depois, revelando que tudo e todos são importantes.

Esta é a origem da marca Elvira Matilde. Desde sempre ela se propôs a vestir quem por ela se sentisse atraído: pessoas com os mais diversos corpos, habilidades, com os pensamentos mais distintos, mas que gostam da inventividade e da aventura da descoberta. Gente que sabe que vive num mundo muito competitivo e ama o que não tem pretensão, que acha o simples completamente instigante. Não reverencia nada que não seja existencial, orgânico, e tem muita verve para ser o que se é. São pessoas que vivem ou gostariam de viver misturando trabalho com afetividade, arte com vida, poesia com o cotidiano. Assim como a vida é uma e tudo está relacionado com tudo.

Esta coleção traz duas vertentes extremas da linguagem da estilista: por um lado o design essencial, sem ornamentos. São aquelas peças com modelagem básica e forte apelo visual/emocional, que se buscássemos sua família universal, poderíamos apontar os sapatos Crocs, o carro Twingo, a caneta Bic, a balinha MM, o prédio do MASP de Lina Bo Bardi... Traz os itens econômicos por sua silhueta e sua multifuncionalidade, como o tricot e a regata que podem ser vestidos de mais de uma forma, cada uma delas causando um shape diferente.

O oposto também está presente: o excesso e o ruído, talvez por causa da experimentação, uma linha mestra do trabalho de Gabriela em arte e no design de moda. São importantes aqui as sobreposições, a linguagem que vem da rua, a informação cultural dos anos 80, o excesso que marca o homem atual. Uma roupa com signos em saturação para esse homem urbano em estado de rush sem hora pra acontecer. Esta é uma lei da natureza: todo processo que atinge um ápice se transforma no seu oposto. Basta ter coragem para ver em si mesmo o caos, o excesso que trazemos em nós, ao invés de projetá-lo no outro. O universo Elvira Matilde é bastante autoral, e quem chega, muitas vezes tem que ser iniciado, numa iniciação até gradual. Culturalmente o “outro” é a maior referência, e não a gente mesmo, daí que pode levar tempo até aparecer a confiança que chega quando nos tornamos indivíduos. A confiança vem quando nos aceitamos com os nossos desejos e também os limites. Quando enfrentamos nossos fantasmas saímos livres, fortes e alegres.

Elvira Matilde é uma marca consciente da sua proposta de comportamento. Roupa é uma pele sensível sobre a pele biológica. Uma veste tecida de sentidos. Roupa para fechar? Ou roupa para abrir? O quê? A percepção? Integrar os vários corpos que temos ao sermos autênticos? Quem veio primeiro: o homem, a roupa, a moda? Para qual homem dirigimos nossa atenção? Em pleno século XXI não dá para falar de moda sem falar para qual homem estamos fazendo as roupas. É assim que hoje fazemos política, arte, ciência, moda. Não existem mais universos estanques e tudo é mesmo misturado, entrelaçado. Uma rede de relações, ao mesmo tempo em que se firma a cada estação o projeto da artista plástica e estilista Gabriela Demarco como uma poética dos corpos.
SP-Março 2007

ELVIRA MATILDE


O nome da marca tem uma história: Elvira Matilde é a avozinha que deu à sua netinha a manha do babado. E agora, saída da história, vira uma personagem cheia de carisma e alegria, tão necessários à nossa vida! ELVIRA MATILDE tem humor até no nome, que não é inventado, mas é o nome real de uma pessoa real. O nome parece uma brincadeira, a historiazinha parece inventada, e a pessoa real vira uma personagem: arte-vida.

Tudo começou com as camisetas pintadas à mão por Gabriela para o time de pelada dos amigos. Elas fizeram sucesso para além dos limites do gramado e foram exigindo mais e mais fornadas para os amigos dos amigos. Camisetas sem nome, mas com uma presença cheia de cor e criatividade, feitas para bancarem os projetos de exposição da artista plástica Gabriela Demarco.

Com o tempo as indumentárias foram ocupando os espaços dos museus com os seus projetos de wearable art. Por outro lado, as produções agora não eram apenas de camisetas, mas de vestidos, calças... Tudo muito natural, mas não sem muita luta também, e nascia a ELVIRA MATILDE, uma homenagem de Gabriela à avó com quem aprendeu um jeito todo próprio de ver as coisas.

A marca ELVIRA MATILDE é parte orgânica do momento histórico e cultural do Brasil do início da década de 1990, quando começa a tomar corpo o que poderíamos chamar hoje de “moda brasileira”. Se naquele momento já possuía uma atitude própria que dava o norte nas condições iniciais, hoje, ao completar seus quinze anos, EM opera estruturada em várias vertentes. Sediada na cidade de Belo Horizonte, conta com um atelier onde as coleções são criadas e desenvolvidas, sendo disponibilizadas em torno de 1.000 referências por coleção. Há ainda um espaço destinado à equipe da marca, responsável pela administração e pela criação e pesquisa de novas tecnologias para o desenvolvimento do seu conceito de franquia, que se propõe sempre dinâmico e flexível, além da fábrica propriamente dita, onde 7.000 peças são produzidas por mês. Desta produção, 50% é confeccionada internamente e o restante tem a sua facção terceirizada, assim como a estamparia e lavanderia que são totalmente terceirizadas.

Em Belo Horizonte o showroom EM de pronta entrega está localizado dentro roteiro dos lojistas de multimarcas, mercado que vem recebendo por parte da marca e do lojista um interesse recíproco e crescente. Atualmente a marca possui sete pontos de venda exclusivos. Como empresa distribuidora, a ELVIRA MATILDE se configura principalmente como franqueadora que perfaz 90% do seu mercado, com unidades franqueadas nas cidades de Belém do Pará, Brasília, Natal, São Paulo, e três unidades em Belo Horizonte, cidade onde está a loja piloto da sua rede de franquias, com uma venda mensal em torno de 1.000 peças.

A unidade de São Paulo e a loja piloto de Belo Horizonte são lojas próprias e se destinam a ser espaços geradores de novos formatos que deverão contribuir para ampliar os conceitos de franquia e de varejo da marca, além de serem campos de experimentação, com lançamentos de novos produtos, como os pufes, os edredons, os espelhos emoldurados, e outros objetos para casa que depois de aprovados poderão ser encontrados em todas as lojas da rede. Para os produtos experimentais e que estão sendo comercializados pela primeira vez em uma loja ELVIRA MATILDE, toda a equipe dessas duas unidades recebe a orientação necessária para que estejam atentas ao comportamento deles e para que possam sinalizar à equipe de Desenvolvimento de Produtos da marca, se eles farão parte da família E.M., ou não.

O projeto arquitetônico das lojas ELVIRA MATILDE, que leva nas paredes as telhas metálicas em cores primárias do bairro portenho La Bocca e tem o mobiliário exclusivo, é uma parceria entre Gabriela Demarco e a arquiteta Isabela Vecci. Totalmente sintonizado com os valores da marca como a diversidade, imaginação, autenticidade, experimentação, movimento e liberdade, cada loja procura revelar a sua diferença, a sua identidade própria.

O cliente ELVIRA MATILDE
Podemos nomear algumas profissões de frente do cliente EM: artistas, publicitários, professores, jornalistas, produtores culturais, médicos e outros profissionais ligados à ciência, à filosofia e à arte. Mas, definitivamente, não seria a profissão, a classe social, o sexo, ou a idade que poderão dar visibilidade ao cliente EM, mas sim, o estilo de vida. Vida-arte. Este é o espírito da roupa E.M. Uma vida cheia de invenção no dia a dia, não importa a sua profissão, a sua idade, o tamanho do seu corpo: esta é a afirmação de quem veste a roupa E.M., habitantes de várias cidades espalhadas por todo o Brasil.

O repertório de Gabriela
Gabriela Demarco trabalha na sua ELVIRA MATILDE com um repertório de elementos vindos das artes plásticas e do design. Sua força está na abertura para a experimentação e na sua total liberdade para lidar com variadas técnicas. Das camisetas penduradas no varal do quintal de casa para as produções em série houve o salto engenhoso da estilista que fez uso da técnica da serigrafia como artista plástica, trazendo para o desenho estampado o registro da ação executada pelo gestual do artista, a marca da presença emotiva do autor.

O seu estilo é muito próprio e dominante na sua linguagem, fazendo dos vestidos, por exemplo, peças sem funções de uso definidas, mas desejáveis por seu valor criativo e despojamento. Ele está no oversized, nas peças multifuncionais, no tecido construído – o patchwork -, e no streetwear, que tem na camiseta “o espaço preferido para exposição dos desenhos. Não é o desenho/estampa a serviço do vestuário, mas é a peça de vestuário como suporte para o desenho”, nas palavras de Gabriela.

A malharia é essencial na criação do look EM, com predomínio da silhueta contemporânea de proporções soltas que privilegiam o conforto e uma simplicidade inteligente. Uma mulher bem vestida, numa combinação muito interessante de esportividade e invenção, modernidade e despojamento. Parte desse vocabulário é a combinação arriscada de cores, formas e texturas.

A modelagem vem das formas matrizes universais: a camiseta, o macacão, calça pijama, o avental, blusão, o tubinho, o vestido rocinha (camponesa). A malha e a modelagem, ambos pertencentes ao repertório popular, recebem atitude e acabamentos diferenciados próprios de outros universos, como o dos tecidos finos.

A estamparia é o ponto gerador da linguagem de Gabriela. Os temas não são próprios do universo da moda e são aceitos com a atitude livre, própria de um criador. O tema é a própria vida que é apropriada sem nenhum preconceito: a vaca na baby look da adolescente, o palhaço no bolso da bermuda masculina, o porco no vestido longo da mulher urbana. O desenho estampado é a marca da ELVIRA MATILDE: inconfundível, vigoroso, com todo o jeito de feito um a um.
BH- 2005

ELVIRA MATILDE

HISTÓRIA / ESTÓRIA:
A moda tem as suas referências próprias, seus códigos, signos, enquanto a arte é um universo em que cabem muitas experimentações de linguagem, a moda inclusive. Quando questionada se faz moda, Gabriela responde que faz roupa. Mas o que é a roupa para Gabriela Demarco? Roupa é um objeto vestível?

Wearable performance: MULHER OBJETO DE ARTE I, II, III, 1992, Sesc Pompéia / São Paulo; Instituto Cultural Brasil-Argentina / Rio de Janeiro; Museu de Arte Moderna / Belo Horizonte. Três mulheres emprestam seus corpos que servem de suporte pulsante e imprevisto para as indumentárias compostas de elementos para cabeça, corpo, pés e mãos.
A minha atuação se deu como a Mulher Objeto de Arte III, incorporando uma pesada indumentária que me colocou o desafio de descobrir como ficar de pé sobre o pequeno tablado individual, mantendo a duração do tempo de exposição. 

Na quinta edição do Phytoervas Fashion / Parque Ibirapuera / São Paulo, 1996, junto com 14 nomes do Mercado Mundo Mix, Gabriela Demarco apresenta outra wearable performance que tem elementos da natureza (como a palha para a vestimenta, e os pigmentos orgânicos para os pés e mãos), e a maneira local/mineira de trabalhar com eles (as várias tramas tecidas na palha artesanal de esteira), como pontos de partida investigativos. É assim que uma modelo e o ator Fernando Alves Pinto entram na novíssima passarela fashion brasileira encarnando “um casal caipira”, ao som de Vera Cruz na voz de Milton Nascimento.

Desenho e performance podem ser vistos como o cerne do seu trabalho como artista plástica. O seu desenho sempre exigiu ganhar corpo, um corpo vivo, literalmente. As camisetas pintadas à mão para o time de pelada da sua “nova família”, poderiam marcar um começo da sua atividade em B.H. em 1981, vinda de Buenos Aires, sua cidade natal. O desenho tridimensional nas máscaras da sua passagem pela Escola Guignard, nos álbuns gigantes expostos na Biblioteca Pública Luís de Bessa / BH; na malhação de Judas, uma performance de rua, executada pelo grupo de amigos na Semana Santa; “Piquenique na relva”, um alegre off M.A.M / BH; e “Sopão” no M.A.M /BH, quando bailarinos incorporam as indumentárias de mendigos.

Gabriela Demarco é totalmente existencial, daquela linhagem de artista cuja vida é obra, e a obra é a vida. O desenho como a escrita da sua vida. Para ela as coisas vividas sempre ganham um desenho, e isto não é uma metáfora.
Por isto ela não parte de um tema ao iniciar uma coleção. O tema já é a própria vida que é apropriada sem nenhum preconceito: a vaca na baby look da adolescente, o palhaço no bolso da bermuda masculina, o porco no vestido longo da mulher urbana... Quais são os temas recorrentes nos desenhos da sua Elvira Matilde? Toda a natureza: um muito amplo espectro de animais, flores, frutas, as árvores, o homem, a mulher, a criança... Os objetos do cotidiano: cadeira, ônibus, panela, tevê... Ícones da cultura: Rimbaud, Miles Davis, John Cage, Jackson Pollock,
Clarice Lispector... E a escrita como desenho está sempre presente.

Mesmo diante deste universo exuberante não podemos detectar qualquer esforço para revelar uma unidade temática. Mas à medida que o trabalho vai sendo criado, ele, por sua vez, vai recriando a artista. Esta alquimia é tudo. E ela existe em Gabriela. Arte-vida. Vida-arte.
BH-2004